Diocese do Funchal - Ano Pastoral 2020 / 2021 - "A Eucaristia constrói-nos no caminho da Fé: Cristo Salva-te. Maria pôs-se a caminho ..."

quinta-feira, 10 de março de 2011

Homilia de D. António Carrilho, Bispo do Funchal na Missa de Quarta-feira de Cinzas 2011


“Convertei-vos a Mim de todo o coração…” (Joel 2,12). Com a celebração litúrgica de hoje, quarta-feira de Cinzas, a Igreja inicia a sua caminhada quaresmal, tempo especial de graça, de conversão pessoal e comunitária, como preparação para a solene e frutuosa celebração da Páscoa, acontecimento central da nossa fé cristã.
As cinzas são sinal de penitência, convite ao arrependimento e à conversão; lembram a fragilidade e finitude humanas neste nosso peregrinar, a caminho da eternidade de Deus. É assim que o rito da bênção e imposição das cinzas não pode ser apenas um gesto exterior, de mera tradição, mas um compromisso interior exigente, na escuta da Palavra e na fidelidade à voz do Espírito. Diz-nos Deus, através do Profeta Joel: “Convertei-vos a Mim de todo o coração…” (2,12). Daí a urgência de parar, de fazer silêncio, interiorizar a mensagem e caminhar ao ritmo do Coração de Cristo.
A Quaresma é tempo de preparação para a Páscoa; tempo de saborear e aprofundar o sentido do nosso Baptismo, nas suas múltiplas implicações; tempo de aceitar o desafio de caminharmos ao encontro do verdadeiro rosto de Cristo, em escuta atenta da Palavra, na oração e no acolhimento da reconciliação sacramental; tempo de voltar para o Senhor com todo o coração, em conversão de amor a Deus e aos irmãos.
A força libertadora da Palavra
O verdadeiro dinamismo quaresmal é provocado pela leitura, interiorização e vivência da Palavra de Deus, que deve pautar a nossa vida familiar, eclesial e social. “A Palavra divina introduz cada um de nós no diálogo com o Senhor: o Deus que fala, ensina-nos como podemos falar com Ele” (Bento XVI, Verbum Domini, 24).
O texto do livro do profeta Joel, que acabámos de escutar, acentua a exigência de renovação interior: “rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos” (Joel 2,13). Trata-se de uma mudança, de uma conversão verdadeira e profunda do próprio coração, que no sentido bíblico significa a totalidade da pessoa. Este convite estende-se a todas as pessoas de todas idades e tem como resposta certa a presença libertadora e salvadora do amor misericordioso de Deus: “O Senhor encheu-Se de zelo pela Sua terra e teve compaixão do Seu povo” (Joel 2,18).


Na segunda leitura, S. Paulo, impelido pela caridade de Cristo, pede aos irmãos da comunidade de Corinto, que, “pelo amor de Cristo se reconciliem com Deus” (2Cor 5,20). Na teologia Paulina, Cristo Crucificado assume o mistério da nossa iniquidade, “fez-se pecado por amor de nós” (2Cor 5, 20), para nossa salvação.
A loucura e sabedoria da Cruz, que tanto apaixonam Paulo, são a visibilidade do indizível amor do Pai pela humanidade. Suprema bondade divina, que se revela na entrega voluntária do Filho, como Cordeiro inocente, imolado sobre a Cruz. Deus não se impõe ao homem. É oferta gratuita de infinito Amor. “Não sejamos insensíveis à bondade de Cristo”, lembra-nos Santo Inácio de Antioquia.
Verdadeiro sentido da ascese
No relato do evangelho de S. Mateus, Jesus introduz-nos no dinamismo da autêntica conversão, agradável a Deus. Esta não consiste num conjunto de práticas exteriores, de aparente religiosidade: Jesus não condena as sãs tradições religiosas da esmola, oração e jejum, mas pede que sejam praticadas com pureza de intenção, com verdadeiro espírito religioso.
Estes gestos de renúncia devem ser realizados sem ostentação, com alegria e humildade, no segredo que só o Pai conhece. Disse Jesus: “Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles (Mt 6,1); e acrescenta: Não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita” (Mt 6,3).
É que a ascese quaresmal, nascida como exigência do amor misericordioso de Deus, tem como finalidade o encontro íntimo e pessoal com o Pai, a reconciliação da própria pessoa, das famílias e da sociedade em geral. É o testemunho alegre da verdadeira “metanóia”. A recompensa do Pai nasce da jubilosa intimidade com Cristo, Redentor do homem.
Aprofundar o sentido da vida baptismal
Bento XVI, na sua Mensagem para a Quaresma deste ano de 2011, com o tema "Com Cristo fostes sepultados no Baptismo, com Ele fostes também ressuscitados" (Col 2,12), propõe a toda a Igreja o aprofundamento e vivência do mistério do nosso Baptismo e convida-a a “deixar-se transformar pela acção do Espírito Santo”.
Lembrando-nos a importância da leitura assídua da Palavra de Deus, que nos “guia para um encontro particularmente intenso com o Senhor”, o Papa sublinha, com particular empenho, a mensagem de cada um dos domingos deste tempo litúrgico, apontando a imensa riqueza dos textos evangélicos.
Os seus ensinamentos abrem-nos o coração à Esperança na vitória sobre “as seduções do mal”; ao encontro de plenitude com a Fonte de Água viva, que “pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza”; à Luz de Cristo, que “vence todas as obscuridades da vida”, e, finalmente, à comunhão definitiva com Ele, na Eternidade (cf. Mensagem, 2).
Lembra-nos o Santo Padre, falando sobre o sentido último da existência: “Deus criou o homem para a ressurreição e para a vida, e esta verdade oferece a dimensão autêntica e definitiva à história dos homens, à sua existência pessoal e ao seu viver social, à cultura, à política, à economia” (Mensagem, 2).
Desenvolver a capacidade de partilha
A graça do Baptismo, refere ainda o Santo Padre, “estimula-nos todos os dias a libertar o nosso coração das coisas materiais, de um vínculo egoísta com a ‘terra’, que nos empobrece e nos impede de estar disponíveis e abertos a Deus e ao próximo”.
Em consequência, Bento XVI apela aos cristãos de todo o mundo para que resistam à “idolatria dos bens” e desenvolvam a sua “capacidade de partilha”, na medida em que a idolatria dos bens torna o homem infeliz, “porque coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte de vida” (cf. Mensagem, 3).
A pretensão da cultura laica actual de construir uma sociedade sem Deus, com a nova “idolatria do mercado”, potenciadora de desigualdades, conduz a família humana a caminhos de tristeza, de angústia e até de desespero. Na verdade, somente transfigurados e configurados pelo amor de Cristo, num renovado entusiasmo e empenho eclesial, poderemos responder aos desafios do nosso tempo, perante as desigualdades e as injustiças de ordem social e económica existentes.
Apelo ao voluntariado
Temos vindo a acompanhar, com grave preocupação, através da comunicação social, as dolorosas notícias sobre a morte de idosos, abandonados nas suas casas, uma “situação social emergente”. Urge repensar valores, romper com o egoísmo e o individualismo, desenvolvendo uma cultura de solidariedade e compaixão, de respeito para com a família humana e extensiva à ecologia ambiental.
Vai neste sentido o recente apelo da Conferência Episcopal Portuguesa aos católicos de todo o país para que procurem oferecer à comunidade um tempo de gratuidade ao serviço dos outros, como voluntários, particularmente “na resposta a situações de pessoas sós, que necessitam de visita e companhia, de ajuda em diversos serviços” (Nota Pastoral, Voluntariado e nova Consciência Social, 2 e 5.2).
Para os Bispos Portugueses, fazendo-se eco do Ano Europeu do Voluntariado que está a decorrer, um dos sinais mais promissores de esperança na construção de uma humanidade fraterna e feliz está patente na experiência alargada e crescente do voluntariado. É que, expresso nos mais diversos movimentos e associações de solidariedade social e eclesial, o voluntariado “assume uma pluralidade de rostos e formas, junto dos que a sociedade esquece, rejeita, maltrata, empobrece, bem como na ajuda a uma educação para o serviço e para o desenvolvimento cultural” (Nota Pastoral, 3 e 5).
Mediante as suas instituições e organismos de solidariedade social, a Igreja tem vindo a promover a dignidade humana, a nível cultural e dos princípios, mas, de modo especial, em situações concretas de novas formas de pobreza e exclusão social, dispensando particular apoio às famílias atingidas pelo desemprego e a todos aqueles que sofrem a solidão, o abandono e a marginalização. A Igreja sabe, porém, que somente unida a Cristo e pautando a vida por critérios evangélicos, poderá desenvolver uma verdadeira “cultura da compaixão”, em ordem à construção de uma sociedade mais humana, mais justa e mais fraterna.
Caminhar sob a protecção de Maria
Irmãos, vamos iniciar a Quaresma, vivendo este “tempo favorável” à nossa salvação, em caminhada solidária com toda a Igreja.
Como escreve Bento XVI, “a Quaresma, que nos conduz à celebração da santa Páscoa, é para a Igreja um tempo litúrgico muito precioso e importante”, propício “para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo” (Mensagem, 3).
Com a Santa Mãe de Deus façamos, pois, o nosso percurso quaresmal, rumo à Páscoa do Senhor. Maria aponta-nos caminhos de conversão e partilha fraterna, convidando-nos a permanecer vigilantes, junto da Cruz, como ela, na escuta de seu filho Jesus, Palavra da Vida.
                     Funchal, 9 de Março de 2011
† António Carrilho, Bispo do Funchal

Caminhar para a Páscoa,
reavivando a Graça do Baptismo!

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O tempo em Santana