O que é um Coração Imaculado? A palavra “coração” tem, aqui, toda a amplitude do sentido bíblico, toda a interioridade do homem, a sua inteligência, a sua sensibilidade e afetividade, a capacidade de acolher a Palavra do Senhor e se abrir ao dom do seu amor. Coração Imaculado é aquele que está liberto de toda a resistência e incapacidade de escutar e se abre totalmente à Palavra de Deus. Pela primeira vez desde a criação do mundo, uma criatura, Maria, acolhe o Verbo eterno, escuta a Palavra como ela sempre foi escutada no seio da comunhão trinitária, desde toda a eternidade. Ao acolher, assim, o Verbo, a Palavra eterna de Deus realiza nela todo o seu poder criador e de anúncio da vida e do amor. Em Maria, a Palavra eterna de Deus passa a ser, numa criatura, o que sempre foi no seio de Deus. É, assim, natural que o Verbo eterno de Deus, acolhido totalmente no coração desta mulher, realize nela, no seu ser de mulher, a primeira potencialidade da Palavra: ser criadora. A Encarnação do Verbo no seio de Maria, sendo única segundo o desígnio do Pai, é fruto do acolhimento total dessa Palavra num Coração Imaculado.
2. Desde que a Palavra eterna de Deus foi totalmente escutada por um coração humano, dando como fruto maravilhoso do seu poder criador a encarnação do Verbo, o plano divino de redenção do coração humano tem agora a condição radical para ser levado à sua plena realização. O primeiro objetivo da redenção é recriar nos homens um “coração novo”, capaz de ser um coração imaculado que pode escutar totalmente a Palavra eterna de Deus. Essa é a dignidade do cristão, “nova criatura”. Ouvimos a Carta aos Efésios: em Cristo, Deus “escolheu-nos, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença” (Efs. 1,4). Sem um “coração novo”, que se deixa recriar continuamente até ser “imaculado”, não há escuta da Palavra. E sem escutar, da forma mais completa em cada momento da nossa caminhada, não há anúncio da salvação, não haverá “nova evangelização”.
Os presbíteros e os diáconos são ministros da Palavra. Para a poderem anunciar, devem acolhê-la de tal modo que ela comece por transformar as suas vidas. Sem um “coração novo”, não haverá anúncio renovador. Esta renovação do coração, concedida a todos os cristãos no Batismo e na Confirmação, é uma graça própria do Sacramento da Ordem, porque o coração de um sacerdote deve acolher a Palavra para, ao anunciá-la, comunicar o seu poder criador e transformador.
3. Podemos contemplar em Maria as atitudes básicas deste coração renovado. Antes de mais, a obediência, isto é, a completa sintonia da vontade própria com o desígnio de Deus que nos é revelado. “Eu sou a Serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc. 1,38). E Isabel percebeu que essa era a atitude de Maria, a total obediência à Palavra de Deus: “Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc. 1,45).
Esta obediência à Palavra, que hoje nos é comunicada pela Igreja, é atitude decisiva no exercício do ministério ordenado. A obediência situa-nos no plano de querer sempre realizar o plano de Deus, que nos é expresso pela Igreja, e não os nossos planos e a nossa maneira pessoal de ver as coisas. A primeira atitude que a obediência nos pede é aceitar e amar esse plano que nos é pedido. Sem amarmos o que nos é pedido, não há verdadeira obediência. No nosso ministério temos de imitar a “Serva do Senhor”, abdicar da nossa vontade, para amar a vontade de Deus, expressa pela Igreja. Não nos ordenamos para fazer o que gostamos; é preciso aprender a gostar de tudo o que a Igreja nos pede. Quem obedece acerta sempre, quem ordena, em nome da Igreja, deve procurar interpretar, o melhor possível, o plano de Deus, em cada tempo e circunstância.
4. Uma outra atitude de Maria que pode inspirar a nossa fidelidade é o seu amor virginal. A virgindade não é negação, mas abertura às realidades novas. A virgindade sacerdotal não pode ser vista como negação, nem da sexualidade e da afetividade e de toda a capacidade humana de amar, mas como uma outra maneira de amar, fruto do poder criador da Palavra, quando esta é plenamente escutada e acolhida. É impossível viver esta maneira nova de amar, se não se escuta plenamente a Palavra, pois só ela criará em nós um “coração novo”.
5. Esta aventura da escuta da Palavra é uma longa caminhada, percorrida na fé e na humildade, até àquele dia em que a escutaremos plenamente no seio do Pai. Mas cada passo em frente nesta transformação do coração, é já fonte de uma grande alegria.
Já o Profeta Isaías, a quem Deus deu o dom de escutar a Palavra, exclamava: “Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus” (Is. 61,10). Essa é, também, a resposta de Maria: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc. 1,47).
O nosso Povo diz que “um santo triste é um triste santo”. Queridos ordinandos, sede felizes, abri o vosso coração renovado à alegria que tem a sua fonte em Deus e que Ele nos transmite sempre que acolhemos a sua Palavra, a Jesus Cristo, o seu Verbo encarnado.
Neste dia da vossa ordenação, quando eu próprio celebro este ano 50 anos da minha ordenação sacerdotal, dirijo com fé e amor à Mulher do “Coração Imaculado” esta prece por mim e por vós: Coração Imaculado de Maria, dai-nos o dom de um “coração novo”, ensinai-nos a desejar um “coração imaculado”, para podermos escutar, cada vez mais profundamente, a vossa Palavra. Faço-vos, Senhora, esta prece, confiado na garantia que nos destes em Fátima: “O meu Imaculado Coração triunfará”.
JOSÉ, Cardeal-Patriarca